Brasil perde boom de commodities com déficits, inflação e risco Bolsonaro

A disparada de preços dos produtos exportados pelo Brasil não está beneficiando tanto a economia como no último boom das commodities, do início dos anos 2000 até meados da década passada.
 

Na época, houve aceleração do crescimento econômico e queda do dólar, o que ajudou a manter a inflação relativamente sob controle, aumentou a renda nacional e derrubou a taxa de pobreza extrema —de 27,5% da população em 2001 para 8,4% em 2014.
 

Desta vez, apesar de os preços dos produtos agrícolas e minerais terem disparado, há um ambiente de inflação global, o que encareceu as importações, sobretudo de combustíveis e fertilizantes, além de bens de consumo e máquinas e equipamentos.
 

Isso diminuiu a quantidade de produtos que o Brasil poderia importar com os dólares de suas exportações —piorando os termos de troca, como essa relação é chamada.
 

Outra diferença fundamental é que, nos anos 2000 e até 2013, o Brasil manteve as contas públicas ajustadas, com superávits primários anuais para pagar juros da dívida pública e reduzir o endividamento estatal.
 

Com menor risco de insolvência, o país atraiu bilhões de dólares em investimentos especulativos e produtivos, pressionando para baixo a cotação da moeda americana. Entre 2000 e 2014, o valor médio do dólar foi de R$ 2,30.
 

Com o real mais forte naquele período, o Brasil elevou seus termos de troca e importou mais, inclusive máquinas e equipamentos para aumentar a produção e a produtividade da economia.
 

Os superávits primários ganharam força no segundo governo FHC (1999-2002) e foram mantidos nos dois mandatos de Lula (2003-2010). Mas seriam abandonados no último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014, quando a economia mergulharia na forte recessão que subtraiu 6,8% do PIB no biênio 2015/2016.
 

Nos últimos oito anos, marcados por crescimento medíocre, déficits e alta do endividamento público, 2021 foi o único em que o Brasil registrou superávit primário, equivalente a 0,75% do PIB. Como comparação, no governo Lula essa economia para reduzir a dívida pública chegou a 3,7% do PIB no biênio 2004/2005.
 

Neste momento, apesar do ainda elevado patamar de preços das commodities, a situação fiscal precária e a aproximação de uma eleição polarizada, com ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL), têm contribuído negativamente, mantendo o país fora do radar de investidores.
 

O chamado risco Brasil, uma das medidas de solvência das contas públicas, permanece sistematicamente acima da média dos emergentes, contribuindo para manter o dólar em patamar elevado.
 

Com a perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos para conter a inflação, a tendência é que o dólar se fortaleça mais em quase todo o mundo —a medida em que títulos do governo americano se tornarem mais atrativos aos investidores.
 

“Existe a tentação de procurar semelhanças entre o atual ciclo de commodities e o anterior. Mas é comparar banana com laranja. Não só situação fiscal brasileira é completamente diferente, como o mundo mudou”, afirma o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore.
 

“Ao contrário dos anos 2000, muitos países estão aumentando os juros para conter a inflação; e a China não cresce mais entre 8% e 12% ao ano. Muitos preveem inclusive que as commodities cedam em 2023. Para o Brasil, a desaceleração econômica não será pequena.”
 

Para Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre-FGV e sócio da consultoria BRCG, o melhor momento do atual ciclo de commodities inclusive já ficou para trás levando-se em conta os termos de troca mais favoráveis ao Brasil.
 

“Eles [termos de troca] ficaram elevados até julho de 2021 e pioraram ao final do ano passado e início de 2022, quando houve aceleração brutal dos preços dos importados, sobretudo de combustíveis e matérias-primas para fertilizantes.”
 

Como o Brasil ainda importa muitos bens industriais, a desorganização das cadeias globais produtivas durante a pandemia também reforçou o aumento de preços dos produtos comprados no mercado internacional.
 

Apesar da boa relação entre o que o Brasil podia importar com o resultado das exportações em 2021, o dólar se manteve acima de R$ 5 durante quase todo o ano, período em Bolsonaro intensificou ataques às instituições.
 

Segundo dados da BRCG, a maior parte da desvalorização do real no ano passado foi consequência de fatores internos. Neste ano, é o cenário internacional de alta dos juros que pressiona a moeda.
 

“Normalmente, num ciclo positivo para as commodities, há forte valorização do real, com impactos positivos para a renda. Mas não foi o que vimos no ano passado, período de muita instabilidade política. Neste ano, temos um ciclo eleitoral polarizado se aproximando, o que não ajuda”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
 

Após a forte queda na taxa de pobreza extrema calculada pelo FGV Social no boom anterior das commodities, o indicador fechou 2021 em 13% (bem acima do piso de 8,4% em 2014). Há hoje no país 27,5 milhões pessoas vivendo com menos de R$ 290 ao mês (R$ 9,60 ao dia).
 

Embora o impacto do atual ciclo de commodities não seja tão favorável quanto o anterior por questões internas (situação fiscal e política) e externas (inflação global e alta de juros), ele tem impactado positivamente na receita de impostos do governo federal e dos Estados.
 

O problema, na opinião de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, é que muitos estados vêm aumentando gastos permanentes, como no caso de reajustes para o funcionalismo, com o resultado de uma receita extra que poderá diminuir no futuro.
 

“Já vemos uma desaceleração nas commodities metálicas, e os preços em geral tendem a se acomodar com a diminuição da atividade nos Estados Unidos e na Europa a partir da alta dos juros em curso”, afirma Vale.
 

No Brasil, pelas projeções da MB Associados, o PIB deve crescer 1,1% neste ano e desacelerar para 0,5% em 2023 –puxando para baixo também a arrecadação.
 

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV, o aumento da arrecadação com a alta das commodities tem um “efeito anestésico” que mascara a precariedade das contas públicas de muitos estados e do governo federal.
 

“Os efeitos colaterais de mais gastos agora estão sendo empurrados para frente. Quem está revisando o PIB de 2022 para cima também está colocando o de 2023 para baixo. A ressaca pode começar já no segundo semestre”, afirma.
 

Nesse sentido, o Brasil estaria repetindo o comportamento do ciclo anterior: em vez de usar parte do dinheiro adicional para ajustar as contas, cria novas despesas que pode não ter como pagar no futuro.

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