Centrão quer novo nome para o STF e abre crise entre evangélicos e Bolsonaro

O centrão quer indicar um novo nome para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, abrindo uma crise entre o governo de Jair Bolsonaro e líderes de um dos últimos redutos de popularidade do presidente, os evangélicos.

Uma articulação dos principais ministros do grupo que comanda a Câmara dos Deputados busca viabilizar o nome de Alexandre Cordeiro de Macedo, o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

O problema, para a comitiva pastoral que aconselha Bolsonaro no assunto, é que Cordeiro não passou pelo crivo deles. Aliás, ele pode até se apresentar como evangélico, mas está longe de sê-lo “terrivelmente”, advérbio que o presidente diz ser imprescindível para o ocupante da 11ª cadeira da corte.

Macedo teve sua indicação defendida por Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Faria (Comunicações), e o tema foi debatido em dois jantares ocorridos na semana passada em Brasília.

A apresentação do novo nome visa romper o impasse em torno do nome do advogado-geral da União, André Mendonça, o “terrivelmente evangélico” indicado pro Bolsonaro quando o ministro Marco Aurélio Mello aposentou-se, em julho.

Mendonça tem apoio firme entre alguns dos principais líderes do segmento, e a movimentação do centrão fez explodir a insatisfação.

Faltou combinar com os pastores. Silas Malafaia, um dos prediletos de Bolsonaro, disse que a nomeação para o STF passará pela liderança evangélica antes. “Estão pensando que vão chegar pro presidente com um nome qualquer, mas o presidente vai perguntar pra gente, e vamos dizer ‘não, não reconhecemos esse cara’”, diz.

“Não escolhemos André Mendonça. Não somos nós, ministros evangélicos, que vamos escolher ministro”, continua. “A única coisa é que o presidente vai perguntar se o camarada é terrivelmente evangélico ou não porque ele não tem ideia. Não adianta esses caras armarem alguma coisa, dizendo que João ou Manoel ou sei lá quem é terrivelmente evangélico que nós vamos dizer ao presidente sim ou não.”

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), eleito com apoio da igreja liderada por Malafaia, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, segue seu pastor: “Se reprovarem o André, quem vai dizer outro nome é a liderança evangélica. Não vamos aceitar quem não seja evangélico indicar ninguém ao presidente”.

“Quem tem autoridade moral para dizer ao presidente se ele realmente é evangélico ou não somos nós. Estão achando que vão enganar quem? Vocês não são evangélicos”, diz, em referência à trinca do centrão.

O deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP) chama de “sórdida esta atuação às escondidas de quem quer seja para defenestrar o dr. André”.

“É um aviso aos navegantes espertalhões, não darão um passa-moleque em nossa comunidade”, afirma o parlamentar. “Qualquer indicação evangélica para a cadeira no STF, promessa do presidente, deverá passar pelo crivo dos mesmos líderes evangélicos que avalizaram o André Mendonça. Qualquer ato fora disso causará um desconforto irreparável.”

Em junho, Mendonça embarcou com Feliciano, Malafaia e Sóstenes no voo que levou Bolsonaro até Belém (PA) para celebrar os 110 anos da primeira Assembleia de Deus no Brasil.

Três meses depois, cá estão Malafaia e Feliciano gravando vídeos para cobrar a manutenção da indicação de Mendonça. Nas mensagens a seus apoiadores, não citam o nome de Cordeiro, mas fazem duras críticas a Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Alcolumbre vem evitando marcar a sabatina de Mendonça. Enquanto alguns observadores veem nisso uma represália direta a Bolsonaro, outros enxergam apoio direto do senador à busca de um nome alternativo.

No Senado, há muita simpatia que essa pessoa seja o procurador-geral da República, Augusto Aras, que não é evangélico. Para contornar isso, o centrão passou a trabalhar em favor de Cordeiro, que é presbiteriano.

Nomeado para a presidência do Cade em julho, ele estava no órgão desde 2015, quando foi indicado pelo PP de Ciro Nogueira.

Antes, foi número 2 do Ministério das Cidades na gestão de Aguinaldo Ribeiro (2012-14), líder do PP que o apadrinhou a pedido de Ciro.

Entre os evangélicos, contudo, a filiação religiosa de Cordeiro não é considerada convincente. “Eu quero mandar uma mensagem para o ministro Ciro Nogueira e para o líder do governo Fernando Bezerra Coelho: ninguém vai enganar a comunidade evangélica”, gritou Malafaia no vídeo.

Entre lideranças do setor, Cordeiro também vem sendo comparado à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), que era assessora de Magno Malta e, na visão deles, o traiu para ficar no governo —enquanto o ex-senador e pastor, aliado de primeira hora de Bolsonaro, ficou na estrada.

Isso porque Mendonça, que faz parte da mesma denominação de Mendonça, teve apoio do titular da AGU para chefiar o Cade, mesmo com a oposição aberta de diversos conselheiros do órgão.

Para Bolsonaro, é uma crise a mais em um governo com focos de problemas em praticamente todas as áreas. Os evangélicos são base de apoio do hoje presidente desde sua campanha em 2018.

Na mais recente pesquisa do Datafolha, o grupo foi um dos únicos no qual Bolsonaro bateria Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa do ano que vem.

Na amostra do instituto, 26% dos eleitores são evangélicos. Ao longo deste ano, o presidente perdeu aprovação também entre eles, mas ainda assim tem uma rejeição menor (41%) do que entre a população em geral (53%).

Às mesas dos jantares da semana passada, realizados nas casas de Faria e de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União que apoia Cordeiro, estiveram personagens como o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ministro do Supremo Gilmar Mendes.

Renan, entusiasta da candidatura de Aras e adversário figadal de Bolsonaro na relatoria da CPI da Covid, deu o aval à articulação. Já Gilmar foi convidado para ser, na condição de decano da corte e seu maior articulador político, apresentado à alternativa Cordeiro.

O ministro não deu sua opinião. No Supremo, contudo, a falta de experiência jurídica de Cordeiro, que não tem doutorado completo em direito, é vista como um problema sério.

Além disso, há o temor da repetição do caso Kassio Nunes Marques, o primeiro ministro indicado por Bolsonaro que hoje está isolado na corte, visto como um chancelador de iniciativas do Planalto.

Com Cordeiro, ou um outro “tertius”, o centrão busca emplacar alguém alinhado a seus interesses na corte máxima do país e dar uma solução à insatisfação entre os ministros pela falta do 11º integrante do colegiado —o que tem travado julgamentos pela possibilidade de empate, além do acúmulo de processos no antigo gabinete de Marco Aurélio.

Evangélicos bolsonaristas já haviam digerido mal tentativas de emplacar Humberto Martins, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é da Igreja Adventista do Sétimo Dia, linha cristã que muitos evangélicos descartam como parte do segmento.

Mas Martins, hoje, é carta fora do baralho: nomeados para o Supremo precisam ter menos de 65 anos, e ele chegou a esse clube no dia 7 de outubro.

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