Estudo da Uesb discute realidade da “barriga de aluguel” no Brasil
Ao ouvir um podcast sobre “barriga solidária”, a formanda do curso de Direito, Camila Costa, se interessou pelo tema. O que chamou a atenção da então estudante foi o fato de que, no Brasil, não existe uma lei que regule a prática popularmente conhecida como “barriga de aluguel”.
Segundo Camila, em termos simples, essa é uma técnica de reprodução humana assistida, na qual uma mulher possibilita que, em seu útero, seja gestado um feto que será considerado filho de outra pessoa. A concepção desse embrião pode ocorrer por inseminação artificial do próprio óvulo da gestante com o esperma de um doador ou do futuro pai ou, ainda, por meio da implementação, em seu útero, de um embrião fertilizado in vitro, com gameta dos futuros pais ou de doadores.
Em termos jurídicos, esse processo é definido como gravidez por substituição ou gravidez por sub-rogação. Ao se dedicar à pesquisa do tema, a agora advogada constatou que, para a sociedade em geral, a ideia que se tem da “barriga de aluguel” é resultado do que foi exibido em filmes e novelas. “São visões carregadas de preconceitos e julgamentos”, comenta Camila. “Eu decidi olhar o tema pelo viés da liberdade, principalmente, da liberdade em planejar como constituir sua família”, continua.
A pesquisa fundamentou o trabalho de conclusão de curso “Gestação por substituição e planejamento familiar: da limitação infralegal brasileira à transnacionalidade do projeto parental”. De acordo com a pesquisadora, a trajetória do estudo se deu a partir do questionamento das limitações da resolução do Conselho Federal de Medicina que, para ela, restringe o direito individual de escolha da melhor forma para concretizar o direito individual à reprodução.
A advogada parte do princípio de que esse direito é intrínseco ao ser humano e, para muitos, é essencial à sua existência. “Logo, é [um direito] de extrema pertinência à dignidade, ao ponto de necessitarem buscar a realização da técnica de reprodução humana assistida em outro país”, defende.
O que diz a lei – “Atualmente, a cessão temporária do útero só pode ser utilizada desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética (futura mãe), diante de uma união homoafetiva ou pessoa solteira”, explica a pesquisadora. Além disso, a mulher que irá gestar a criança deve pertencer à família de um dos parceiros, em parentesco consanguíneo até o quarto grau. Possíveis exceções a essa regra podem acontecer, mas somente com a autorização do Conselho Regional de Medicina.
No Brasil, a “barriga de aluguel” não tem suporte legal. “A partir disso, me questionei sobre a gestação por substituição onerosa não ser ‘permitida’ no país, já que não temos uma vedação através de lei federal ou qualquer norma análoga e, pela Constituição Federal de 1988, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, se não em virtude de lei”, esclarece a advogada.
Discussões a partir da pesquisa – Sem uma lei específica sobre o assunto, o Conselho Federal de Medicina regulamenta as práticas de reprodução humana assistida, com critérios elaborados em 1992, que tiveram como base o Código Civil de 1916. Portanto, em uma realidade completamente diferente da atual, com “formalismo, grande influência religiosa e apego à visão engessada de família tradicional”, destaca a pesquisadora.
Para Camila, esse vazio na legislação possibilita, ainda, o surgimento de diversas dúvidas jurídicas, que acarretam em inseguranças e limitações. Além disso, confrontam com o direito de planejamento familiar, “deixando as pessoas envolvidas na reprodução assistida vulneráveis às más práticas médicas, à exploração comercial e a diversos problemas legais”, complementa.
A advogada pontua que não são desenvolvidas muitas pesquisas na área e, sem se movimentar nesse sentido, não será possível avançar tanto nos debates como na noção moderna de família.