Governo já teme pico de inflação na campanha e vê saída em PEC de combustíveis
O temor de que haja um pico de inflação no terceiro trimestre de 2022, no auge da campanha eleitoral, deflagrou a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de patrocinar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que vai permitir reduzir tributos sobre combustíveis.
O chefe do Executivo aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No levantamento mais recente feito pelo Datafolha, de 13 a 16 de dezembro, 60% dos entrevistados disseram que não votariam de jeito nenhum no atual presidente em 2022.
A avaliação nos bastidores é que novos aumentos nos preços de combustíveis podem prejudicar a candidatura de Bolsonaro.
Interlocutores do governo ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo enumeram fatores como perspectiva de aumento do preço do petróleo, quebra de safra de alimentos e até disputas geopolíticas como motivações para o chefe do Executivo querer baixar na marra os preços de gasolina, diesel, etanol, gás e energia elétrica.
Até mesmo na equipe econômica, que costuma atuar mais na defensiva quando o assunto é abrir mão de receitas ou ampliar gastos, o sentimento é de que não dá para “cruzar os braços” diante da situação.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, não se opõe ao corte de tributos, que vai aprofundar o rombo nas contas públicas neste ano e ampliar o endividamento do país.
O plano de zerar PIS/Cofins sobre combustíveis deve reduzir a arrecadação em R$ 50 bilhões no ano, sem qualquer necessidade de compensação. A PEC na prática atropela as exigências da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Em 2021, a inflação subiu 10,06%, a maior desde 2015 -quando o país estava sob a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Para este ano, o mercado já espera alta de 5,09%, o que representaria novo estouro da meta.
A preocupação é maior se esse movimento de alta de preços se der entre julho e setembro, às vésperas de os brasileiros irem às urnas. Nas palavras de um auxiliar ministerial, inflação e eleição não combinam no Brasil.
Nesse sentido, a PEC representaria uma medida “com repercussão popular forte”, admitiu um auxiliar de Guedes, sob condição de anonimato. De acordo com essa fonte, a inflação é um fator de preocupação dentro do governo.
No mercado, projeções indicam que o barril do petróleo, hoje próximo dos US$ 90, pode chegar a US$ 100 justamente no terceiro trimestre, período decisivo para as campanhas. Um aumento dessa magnitude tende a ser repassado pela Petrobras, cuja política de preços segue as cotações do mercado internacional.
Interlocutores políticos do presidente citam tensões geopolíticas em regiões produtoras de petróleo, como na fronteira entre Rússia e Ucrânia e no Oriente Médio, como elementos que impulsionam o preço da commodity –com repercussões perversas para o bolso dos brasileiros, segundo as fontes.
O governo também monitora com atenção a inflação de alimentos, que pode ser impulsionada pela quebra de safra devido à estiagem no Sul do país e ao excesso de chuvas.
O preço dos combustíveis e da energia é tratado no governo como um tema não apenas setorial, mas também econômico e, sobretudo, social.
A preocupação com a inflação foi externada publicamente pelo número dois da Casa Civil, o secretário-executivo Jônathas Castro, em podcast divulgado pela pasta. “Existe um esforço muito grande do governo para conter a inflação”, disse.
“A gente ainda vive os efeitos econômicos e sociais da pandemia e entende que, em função desses efeitos, é pertinente da parte do governo fazer um esforço histórico para que a gente possa, mais uma vez, empreender uma ação para reduzir o preço dos combustíveis”, afirmou Castro.
Técnicos da área econômica contrários à medida, porém, alertaram para a ineficácia da redução de tributos federais. Uma das fontes ouvidas pela reportagem, sob condição de anonimato, diz não ver nenhuma vantagem a não ser o ganho eleitoral.
A avaliação entre técnicos é que a redução dos tributos seja absorvida em forma de margem de lucros pela cadeia produtiva, ou por novos reajustes que venham a ser anunciados pela Petrobras. Dessa forma, uma política de alto custo fiscal teria efeito zero no bolso dos consumidores.
Também há insatisfação com o fato de o governo incentivar ainda mais o uso de combustíveis fósseis, indo na contramão da agenda de sustentabilidade e abrindo margem para a intensificação de críticas nessa frente.
As objeções foram expostas em reunião sobre o tema no Ministério da Economia, com a presença de Guedes. A indicação dada, no entanto, é de que a equipe precisa tomar alguma atitude.
O ministro almeja vincular o corte de tributos ao engavetamento da proposta de reajuste salarial a servidores de carreiras policiais, medida que é considerada pela equipe econômica gatilho para uma crise mais séria. Mas até mesmo seus auxiliares são céticos quanto ao sucesso dessa estratégia.
Por enquanto, Guedes tem sido bem-sucedido em barrar uma segunda proposta envolvendo combustíveis: a criação de um fundo de estabilização abastecido com receitas de royalties, participações especiais e dividendos da Petrobras. O dinheiro seria usado para segurar o preço do diesel e da gasolina.
A transferência dos recursos precisaria ficar fora do teto de gastos, regra que limita o avanço de despesas à inflação. Para a equipe econômica, mexer no teto –já desfigurado por mudanças recentes– em ano eleitoral seria um movimento de altíssimo risco.
A proposta do governo para o corte temporário de tributos sobre combustíveis e energia elétrica, sem necessidade de medidas de compensação, também deve alcançar impostos estaduais.
Interlocutores no governo informaram à Folha de S.Paulo que o texto da PEC em elaboração deve liberar todos os entes da Federação para reduzir carga tributária sobre combustíveis –o que inclui o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
O dispositivo é uma forma de pressionar os governadores, com quem Bolsonaro tem travado uma intensa batalha em torno de uma suposta culpa pelo aumento no preço da gasolina, do diesel e do etanol.
O chefe do Executivo argumenta que os governadores não aceitam abrir mão da arrecadação do ICMS sobre combustíveis e que isso é um fator determinante para que o preço nas bombas continue alto.
Com a PEC, os governadores também ficariam livres da obrigação de compensar a perda de receitas. Com a permissão ampla para que os estados sigam pelo mesmo caminho, a avaliação nos bastidores é que os governadores que fazem oposição ao governo federal ficarão em uma encruzilhada.
Eles precisarão decidir entre seguir a política do presidente da República, se alinhando ao governo federal nesse tema e ainda abrindo mão de receitas; ou manter o patamar atual de impostos, assumindo o desgaste político perante a população.
Fonte: BN