Guedes diz que União pode quebrar se bancar novo fundo para estados e municípios
O ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou nesta segunda-feira (14) que a União pode quebrar caso as discussões sobre a reforma tributária no Congresso resultem na criação de um novo fundo, bancado pelo governo federal, para ajudar estados e municípios que perderiam arrecadação com as mudanças.
“Acabamos de aumentar em 10% a nossa relação entre dívida e PIB. Se anunciarmos que estamos criando mais fundos, bancados pela União, para garantir outros 8% do PIB, o Brasil terá dramáticos problemas de sustentabilidade fiscal”, afirmou em evento virtual promovido pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios).
“A União pode quebrar. E vai faltar dinheiro para todo mundo, porque vamos entrar em rota de implosão fiscal. Estamos fazendo todo o nosso esforço à beira de um vulcão. Não podemos criar garantias que não possamos executar”, afirmou.
Nos bastidores, o Ministério da Economia vê o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como alguém que estimula a criação do fundo durante reuniões com governadores.
“Tem havido muitas sugestões de fazermos um fundo de estabilização das receitas, o que eu acho muito imprudente”, disse Guedes nesta segunda.
Guedes ainda chamou a ideia do fundo de “solução mágica” porque repassaria recursos aos entes subnacionais por meio de dívida do governo federal, a ser paga ao longo dos anos. “Aí estamos assaltando as gerações futuras”, disse o ministro.
O ministro disse que o novo Fundeb (fundo de educação) demanda R$ 250 bilhões e a Lei Kandir, outros R$ 50 bilhões. “Já levamos R$ 300 bilhões de nosso filhos e netos”, disse. “Precisamos ter juízo, isso não é um saco sem fundo”, afirmou.
O titular da equipe econômica chamou as discussões da reforma tributária de complexas e sinalizou que prefere mais debates. “Será que podemos discutir isso em 30, 60 dias? [Ou] Será que temos que discutir um pouco mais?”, questionou.
O ministro diz que apoia uma reforma ampla, que incluiria estados e municípios, mas também apoia a decisão do prefeito de se unir ou não à fusão de impostos em discussão. “Ele decide quando vem e se quer vir para se acoplar à nossa CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços]”, disse.
Guedes disse que não vai seguir o caminho de aumento de despesas e impostos e criticou decisões nesse sentido observadas por ele em governos anteriores, de social-democratas ou de militares.
“Os militares eram intervencionistas àquela época [regime militar]”, disse. “E os impostos foram subindo [ao longo da história], e os juros foram subindo. Não seguiremos esse caminho, não subiremos os impostos”, afirmou.
Segundo ele, serão simplificadas e reduzidas certas alíquotas. “Por exemplo, para as empresas que criam empregos, inovam e atendem a grande massa de trabalhadores brasileiros. Vamos aumentar impostos sobre dividendos, que são as pessoas que têm capacidade de pagamento. Reduzir o das empresas”, disse.
Até hoje, o governo mandou apenas a primeira parte de sua reforma tributária ao Congresso. O projeto de lei que funde PIS e Cofins na nova CBS, medida já discutida há anos, foi enviado em 21 de julho e gerou divergências entre Executivo e Congresso.
Durante o evento desta segunda, o ministro também defendeu que a dívida decorrente dos gastos com a Covid-19 seja paga pela atual geração, usando recursos do petróleo e de venda de estatais.
“Se estamos nessa luta pela saúde e preservação dos empregos, nossa geração precisa enfrentar. Temos recursos do petróleo, vamos monetizar esses recursos e liquidar essa dívida agora”, disse.
Ele ainda criticou a existência do piso constitucional de gastos com saúde e educação. Pela emenda do teto de gastos, aprovada em 2016, a União precisa aplicar em cada uma das áreas um piso mínimo de recursos (o montante do ano anterior mais a inflação).
Para Guedes, a pandemia teria sido uma prova de que o piso não funciona. “Não havia proteção à saúde brasileira corrigida por gastos indexados. Quem deu a resposta foi o governo e a classe política [ao liberar recursos]. Está provado que a indexação não protege ninguém”, disse.
Lógica similar se aplicaria à educação, segundo ele. “O IPCA está em 1,6%. Vocês acham que a educação está mais protegida se der 1,6% de aumento ou fazer o Fundeb, que foi 120% de aumento?”, questionou.
“Ou seja, a classe política tem capacidade de decidir ano a ano o aumento de gasto que queria fazer. Pode ser para educação, saúde, funcionalismo. Mas é um dever da classe política não se omitir”, disse.
Em sua visão, os gastos com educação são muitas vezes excessivos se comparados aos da saúde. Estados e municípios também têm um piso para as áreas, correspondente a um percentual das receitas recebidas.
“O prefeito é obrigado a gastar [com educação], comprando quatro, cinco vezes uniforme por ano. Ele é obrigado a gastar, chega novembro e dezembro tem que jogar dinheiro fora fazendo qualquer coisa. Enquanto isso faltam ambulâncias”, disse ele sem mencionar que cidades seriam essas.
Guedes queria originalmente eliminar os pisos para União, estados e municípios, mas acabou enviando ao Congresso no ano passado uma PEC (proposta de emenda à Constituição) mais branda nesse ponto, que soma os pisos para as duas áreas. Com isso, um governante poderia distribuir os recursos conforme a demanda local (uma cidade com mais idosos que jovens, por exemplo, poderia destinar mais verba à saúde do que à educação).
Depois, no entanto, a discussão sobre o fim dos pisos voltou com o relator da proposta enviada, Márcio Bittar (MDB-AC), defendendo a medida.
Guedes também disse que hoje, durante a pandemia, não faltam leitos de hospitais porque, segundo ele, foram tomadas decisões pela classe política.
“Os hospitais hoje têm leitos. Nenhum brasileiro está perdendo a saúde por falta de leitos. Nós conseguimos criar, através desse trabalho conjunto, essa rede de proteção social”, disse. “Boa parte já estava lá, como o SUS. Há méritos, muitos méritos, em governos passados que nos legaram essa condição de atendimento a saúde e assistência social descentralizada. E acionamos com eficiência essa engrenagem”, afirmou.