Ouvidores das Polícias de 6 Estados querem prisão de agentes por ‘câmara de gás’
Ouvidores das Polícias de seis Estados, integrantes do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia e Segurança Pública, se uniram para pedir aos órgãos de controle da atividade policial e do sistema de segurança pública federal, a prisão preventiva dos policiais rodoviários federais envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, asfixiado após uma viatura da corporação ser transformada em ‘câmara de gás’ em Umbaúba, no interior do Sergipe. A solicitação já foi enviada ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Supremo Tribunal Federal, e também será remetida à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A iniciativa é liderada pelo ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, e conta com apoio dos ouvidores do Pará, Maria Cristina Fonseca de Carvalho, de Pernambuco, Jost Paulo Reis e Silva, de Mato Grosso, Lucio Andrade Hilário do Nascimento, do Maranhão, Elivânia Estrela Aires e do Rio Grande do Norte, Dimitri Sinedino Costa de Oliveira.
“Não nos restou outra alternativa de que não pedido da prisão preventiva desses agentes. Sem prejuízo evidentemente de eles responderem pelo direito do devido processo legal que todo mundo tem. Mas, repugnante a cena. E é o mínimo que as autoridades tem que fazer. Porque esse crime não afeta só a família. Ele afeta Humanidade. É um crime que é repudiado no mundo. Isso vai ficar uma mácula na história do nosso País”, afirmou o ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares Lopes ao Estadão.
Em ofício conjunto, os ouvidores frisam que a atividade de Polícia deve se atentar à proteção dos direitos humanos, ‘com atenção à dignidade da pessoa humana e uso progressivo da força’. “As ações policiais devem estar amparadas pela legalidade, dentro de protocolos e técnicas. Não há, nesse sentido, qualquer indicação conhecida, seja nacional ou internacional, do procedimento adotado pelos agentes. No vídeo percebe-se que o cidadão estava desarmado e fora contido previamente, sendo e levado à viatura. Não se justificando o uso de bomba de gás naquele momento da abordagem, ou de qualquer outro agente químico – cujo uso é excepcional”, ressaltam.
Os ouvidores explicam que a há uma preocupação internacional no uso de agentes químicos, como gases asfixiantes, ressaltando que o uso de gás lacrimogêneo, pelas Polícias no Brasil, é admitido somente de modo excepcional para a dispersão de multidões.
“O gás presente nessas munições possui efeito irritante e asfixiante, não calmante, devendo ser utilizado com cautela, até em grandes espaços se forem fechados, ou com baixa circulação de ar, podendo gerar em quem os inalar graves efeitos respiratórios e oculares, incluindo asfixia e morte. Apesar de classificada como “arma não letal”, sua toxicidade é elevada, sobremaneira quando do uso inadequado do gás ou spray”, registra o documento.
O grupo cobra transparência nas informações sobre o caso, com esclarecimentos à sociedade civil na condução das investigações, considerada a ‘gravidade’ do episódio. Segundo os ouvidores, as condutas dos PRFs podem caracterizar ‘crimes gravíssimos’, como tortura e homicídio qualificado. Nessa linha, o documento registra a necessidade de ‘investigações rigorosas e ágeis conclusões’.
“Manifesta-se apoio aos órgãos de controle da atividade policial na esfera federal, requerendo-se, das instâncias competentes, a devida e imediata apuração, com a eventual responsabilização dos agentes policiais, nos termos da lei e respeitado o pleno direito de defesa. Todavia, considerando-se a eloquência das imagens e o caráter hediondo das condutas descritas, entende-se pela necessidade urgente de medidas cautelares, com o imediato afastamento dos agentes envolvidos
das atividades operacionais e a decretação de prisão cautelar, na presença dos requisitos legais”, registra trecho do documento.
Como mostrou o Estadão, em comunicação de ocorrência policial, cinco agentes que se apresentaram como a ‘equipe de motopoliciamento tático que efetuava policiamento e fiscalização’ em Umbaúba classificaram a morte de Genivaldo como uma ‘fatalidade desvinculada da ação policial legítima’, alegando que foi empregado ‘legitimamente o uso diferenciado da força’ no caso, com uso de gás de pimenta e gás lacrimogêneo para ‘conter’ a vítima.
O documento atribuiu à Genivaldo supostos ‘delitos de desobediência e resistência’. Ele foi lavrado pelos PRFs Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William De Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas. “Por todas as circunstâncias, diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimamente o uso diferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”, registra a comunicação de ocorrência policial.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Genivaldo. A apuração foi divulgada no final da manhã desta quinta-feira, 26, pela unidade da corporação em Sergipe, horas antes de o ministro Anderson Torres se pronunciar sobre o caso. A PF em Sergipe diz que o inquérito foi instaurado por iniciativa própria.
A PRF abriu processo disciplinar para investigar a conduta dos agentes envolvidos e informou que foram afastados de atividades de policiamento. As apurações são acompanhadas pelo Ministério Público Federal.
A reportagem apurou que três PRFs envolvidos na abordagem se apresentaram à Polícia Federal em Sergipe logo depois do ocorrido em Umbaúba. Eles foram ouvidos pelos investigadores, mas devem ser intimados a prestar mais depoimentos ao longo do inquérito. As investigação também conta com a atuação de peritos da PF em Brasília, que estão se dirigindo à Sergipe. Há a possibilidade de que esses agentes realizem uma reconstituição do crime.